sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Você pode tirar a bagunça do quartinho, mas não dá pra tirar o quartinho da bagunça

Quando criança, tínhamos um quartinho cuja função era primordialmente esconder a bagunça de toda a casa, tudo o que não tinha serventia, ou queríamos esconder, ia pro quartinho. As tralhas de praia, malas de viagens, a coleção de gibis, aquele aparelho de som antigo e quebrado, que nunca foi para o conserto, mas que até então também não havia ido para o lixo, e todas as mais variadas quinquilharias que tornavam o quartinho o que ele era. O quartinho da bagunça.
E era justamente assim que o chamávamos: quartinho, com o passar do tempo fomos resumindo e por final só o "quartim" era pronunciado. Todo mundo tem um lugar onde entulha todas as coisas velhas, bagunças e afins.
Eu preferia quando esse lugar era o quartinho...
Durante anos o quartinho acumulou toda a desordem da casa, brinquedos quebrados, roupas que não serviam mais. Tudo era armazenado no quartinho.
De tempos em tempos o quartinho era arrumado, sempre por um voluntário diferente. Percebendo que ali era o único lugar em que ninguém queria estar – pois além do pouco espaço devido à bagunça, ainda era insuportavelmente quente, pois não havia janelas, apenas uma única porta – comecei a passar parte do meu tempo ali. Arrumando, brincando, ou só fugindo mesmo.
Certas tardes depois de encaixotar tudo e tirar toda a poeira deitava no chão, exausta, e olhando pra cima, quase podia ver o calor que a lâmpada emitia e de repente aquela luz começava a me cegar e logo as paredes começavam a se aproximar num momento de alucinação, parte pelo meu cansaço, parte por deixar ali, junto com as caixas, pensamentos perturbadores.
Passei a reservar ali como meu refúgio, sempre que ficava triste ia chorar lá, nunca entrei no quartinho para comemorar uma boa notícia. Não que ele só presenciasse momentos melancólicos, passei muitas tardes rindo e brincando. Na maioria das vezes sozinha. Cheguei várias vezes a apagar a luz ao sinal de alguém se aproximando, justamente para continuar a brincar sozinha, sem que ninguém me pudesse impedir.
Com o passar dos anos, meus pais resolveram fazer uma reforma geral na casa. A princípio gostei da idéia, fiquei animada, adorei escolher as cores para as paredes. Mal sabia eu o que estava reservado para o quartinho...
Hoje ele não existe mais, como ele possuía uma parede em comum com o quarto dos meus pais, ele virou um armário! Não entendi como tudo aquilo poderia ser apagado. Hoje ele é um closet super pequenininho, não sei se ele ainda carrega todas as antigas lembranças.
De todas as mudanças pelas quais a minha casa passou, com certeza essa foi a que mais me causou estranheza. Mas... Apesar das mudanças ele continua o mesmo quartinho. Não demorou muito tempo para a bagunça se alastrar nele de novo. E quando vou até lá buscar alguma coisa, ainda sinto as paredes se aproximarem, mas agora muito lentamente.
Cheguei à conclusão de que o mal não era guardar essas coisas antigas, porque afinal de contas todos têm um espaço onde juntam essas coisas - que na verdade nem são mais nossas – mas o grande problema é quando chega o dia da mudança. E esse dia chega para todo mundo. E chegou pra mim outra vez.
Novamente, da mesma forma que passava minhas tardes arrumando aquele quartinho, agora tento arrumar um lugar um pouco mais complicado de esvaziar. Extrair pensamentos, limpar as idéias, entender que as coisas têm que mudar, e que as mudanças acontecem com ou sem permissão, não é tão fácil como era limpar aquele cubículo. E agora não há como derrubar paredes e tentar construir algo novo em cima, esperando que todas as lembranças desapareçam. Primeiro é preciso limpar, retirar todo o lixo, encaixotar o que vai ser reaproveitado e por fim colocar cada coisa em seu lugar. O desafio é fazer isso sem sujar as mãos.


O mais difícil nessas ocasiões é deixar as coisas velhas para trás, elas tem significado só pra você e se desprender do passado é um tanto quanto complicado, mas para onde estou indo terão coisas novas, por isso, tenho que deixar as velharias para trás, para caber tudo. É triste, mas não posso levar o aparelho de som velho na mudança, ele vai ter que ficar...

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